sábado, 5 de fevereiro de 2022

História do Cinema em Portugal - Mulheres da Beira, de Rino Lupo, 1921


História do Cinema em Portugal - Os Fidalgos da Casa Mourisca, de George Pallu, 1920


História do Cinema em Portugal - Filmografia (de 1896 a 1962)


(salvo algumas excepções, não se citam documentários)

1896 ― Aurélio da Paz dos Reis realiza os primeiros filmes portugueses
1907 ― O Rapto duma Actriz (curta-metragem de ficção) de Lino Ferreira
1911 ― Inez de Castro, de Carlos Santos
1911 ― Os Crimes de Diogo Alves, de João Tavares
1917 ― Pratas Conquistador, de Emídio Pratas
1918 ― As Aventuras de Frei Bonifácio, de George Pallu (Invicta Film)
1918 ― Malmequer, de Leitão de Barros (curta-metragem de ficção)
1918 ― Mal de Espanha, de Leitão de Barros (curta-metragem de ficção)
1919 ― A Rosa do Adro, de George Pallu (Invicta Film)
1919 ― O Comissário de Polícia, de George Pallu (Invicta Film)
1919 ― O Mais Forte, de George Pallu (Invicta Film)
1920 ― Os Fidalgos da Casa Mourisca, de George Pallu (Invicta Film)
(Nascimento Fernandes e Amélia Pereira fundam  uma  companhia que  produzirá  três filmes em Barcelona, interpretados por Nascimento: Vida Nova, Nascimento Sapateiro e Nascimento Músico)
1920 ― Barbanegra, de George Pallu (Invicta Film)
1920 ― Amor Fatal, de George Pallu (Invicta Film)
1921 ― Amor de Perdição, de George Pallu (Invicta Film)
1921 ― Quando o Amor Fala, de George Pallu (Invicta Film)
1921 ― Mulheres da Beira, de Rino Lupo (Invicta Film)
1922 ― Os  Faroleiros,  de Maurice Mariaud (Caldevilla Films)
1922 ― As Pupilas do Sr. Reitor, de Maurice Mariaud (Caldevilla Films)
1922 ― O Destino, de George Pallu (Invicta Film)
1922 ― O Primo Basílio, de George Pallu (Invicta Film)
1922 ― Tinoco em Bolandas, de António Pinheiro (Invicta Film)
1922 ― Tempestades da Vida, de Augusto de Lacerda (Invicta Film)
1922 ― O Glorioso Raid Lisboa-Rio de Janeiro (reportagem por A. Costa Macedo sobre a travessia aérea do Atlântico por Gago Coutinho e Sacadura Cabral) (Invicta Film)
1922 ― O Centenário, de Lino Ferreira
1922 ― O Rei à Força, de Ernesto de Albuquerque
1922 ― A Sereia de Pedra, de Roger Lion
1923 ― Claudia, de George Pallu (Invicta Film)
1923 ― Lucros Ilícitos (Gold & C.ª), de George Pallu (Invicta Film)
1923 ― Os Lobos, de Rino Lupo
1923 ― O Fado, de Maurice Mariaud
1923 ― Os Olhos da Alma, de Roger Lion
1923 ― O Suicida da Boca do Inferno, de Ernesto de Albuquerque
1923 ― Aventuras de Agapito, de Roger Lion
1923 ― O Groom do Ritz, de Reinaldo Ferreira
1924 ― A Tormenta, de George Pallu (Invicta Film)
1924 ― Tragédia de Amor, de António Pinheiro (Invicta Film)
1926 ― A Calúnia, de Manuel Luís Vieira
1927 ― Vigário Futebol Club, de Reinaldo Ferreira, (Reporter X-Films)
1927 ― Rito ou Rita?, de Reinaldo Ferreira (Reporter X-Films)
1927 ― O Táxi 9297, de Reinaldo Ferreira (Reporter X-Films)
1927 ― Nazaré Praia de Pescadores, de Leitão de Barros
1928 ― Fátima Milagrosa, de Rino Lupo
1929 ― José do Telhado, de Rino Lupo
1930 ― Lisboa, Crónica de Uma Capital, de Leitão de Barros
1930 ― Douro, Faina Fluvial, de Manuel de Oliveira
1930 ― Maria do Mar, de Leitão de Barros
1930 ― Ver e Amar, de Chianca de Garcia
1930 ― Alfama (curta-metragem), de João de Almeida e Sá
1930 ― A Castelã das Berlengas, de António Leitão
1930 ― Vida de Um Soldado, de Aníbal Contreiras
1931 ― Nua, de Maurice Mariaud
1931 ― A Portuguesa de Nápoles, de Henrique Costa
1931 ― Lenda de Miragaia, filme de animação, de Raul Faria da Fonseca e António da Cunha
1931 ― A Severa, de Leitão de Barros
1932 ― Campinos do Ribatejo, de António Luís Lopes
1933 ― Inauguração do Estúdio da «Tobis Portuguesa»
1933 ― A Canção de Lisboa, de Cottinelli Telmo
1934 ― Gado Bravo, de António Lopes Ribeiro (em colaboração com Max Nossek)
1934 ― As Pupilas do Sr. Reitor, de Leitão de Barros
1936 ― O Trevo de Quatro Folhas, de Chianca de Garcia
1937 ― Bocage, de Leitão de Barros
1937 ― A Revolução de Maio, de António Lopes Ribeiro
1937 ― Maria Papoila, de Leitão de Barros
1938 ― A Rosa do Adro, de Chianca de Garcia
1938 ― Aldeia da Roupa Branca, de Chianca de Garcia
1938 ― Os Fidalgos da Casa Mourisca, de Artur Duarte
1938 ― A Canção da Terra, de Jorge Brum do Canto
1939 ― Varanda dos Rouxinóis, de Leitão de Barros
1940 ― Feitiço do Império, de António Lopes Ribeiro
1940 ― João Ratão, de Jorge Brum do Canto
1940 ― Pão Nosso, de Armando de Miranda
1941 ― Porto de Abrigo, de Adolfo Coelho
1941 ― O Pai Tirano, de António Lopes Ribeiro
1942 ― O Pátio das Cantigas, de Francisco Ribeiro (Ribeirinho)
1942 ― Lobos da Terra, de Jorge Brum do Canto
1942 ― Ala-Arriba, de Leitão de Barros
1942 ― Aniki-Bóbó, de Manuel de Oliveira
1943 ― Fátima, Terra de Fé, de Jorge Brum do Canto
1943 ― O Costa do Castelo, de Artur Duarte
1943 ― Amor de Perdição, de António Lopes Ribeiro
1943 ― Ave de Arribação, de Armando Miranda
1944 ― O Violino do João, de Brás Alves
1944 ― A Menina da Rádio, de Artur Duarte
1944 ― Um Homem às Direitas, de Jorge Brum do Canto
1945 ― A Vizinha do Lado, de António Lopes Ribeiro
1945 ― A Noiva do Brasil, de Santos Mendes
1945 ― Sonho de Amor, de Carlos Porfírio
1945 ― José do Telhado, de Armando Miranda
1946 ― Ladrão, Precisa-se, de Jorge Brum do Canto
1946 ― A Mantilha de Beatriz, de Eduardo Maroto
1946 ― Três Dias sem Deus, de Bárbara Virgínia
1946 ― Um Homem do Ribatejo, de Henrique Campos
1946 ― Camões, de Leitão de Barros
1946 ― Cais de Sodré, de Alexandre Perla
1947 ― Vizinhos do rés-do-chão, de Alexandre Perla
1947 ― Bola ao Centro, de João Moreira
1947 ― Capas Negras, de Armando Miranda
1947 ― Aqui, Portugal, de Armando Miranda
1947 ― Três Espelhos, de Ladislau Vadja
1947 ― O Leão da Estrela, de Artur Duarte
1947 ― Fado, de Perdigão Queiroga
1948 ― Um Grito na Noite, de Carlos Porfírio
1948 ― Serra Brava, de Armando Miranda
1948 ― Não Há Rapazes Maus, de Eduardo G. Maroto
1948 ― Uma Vida Para Dois, de Armando Miranda
1949 ― Heróis do Mar, de Fernando Garcia
1949 ― A Morgadinha dos Canaviais, de Caetano Bonnuchi
1949 ― O Desterrado (curta metragem), de Manuel Guimarães
1949 ― Vendaval Maravilhoso, de Leitão de Barros
1949 ― Ribatejo, de Henrique Campos
1949 ― O Regresso de José do Telhado, de Armando Miranda
1949 ― Sol e Toiros, de José Buchs
1949 ― Cantiga da Rua, de Henrique Campos
1950 ― Frei Luís de Sousa, de António Lopes Ribeiro
1950 ― O Grande Elias, de Artur Duarte
1951 ― Sonhar é Fácil, de Perdigão Queiroga
1951 ― Saltimbancos, de Manuel Guimarães
1951 ― Madragoa, de Perdigão Queiroga
1951 ― Eram Duzentos Irmãos, de Armando Vieira Pinto
1952 ― Um Marido Solteiro, de Fernando Garcia
1952 ― A Garça e a Serpente, de Artur Duarte
1952 ― Chikwenbo, de Carlos Marques
1952 ― Justiça do Céu, de Vitor Manuel
1952 ― O Comissário de Polícia, de Constantino Esteves;
1952 ― Os Três da Vida Airada, de Perdigão Queiroga
1952 ― Duas Causas, de Henrique de Campos
1953 ― Chaimite, de Jorge Brum do Canto
1953 ― Nazaré, de Manuel Guimarães
1953 ― O Dinheiro dos Pobres, de Artur Semedo
1953 ― Rosa de Alfama, de Henrique de Campos
1953 ― Planície Heróica, de Perdigão Queiroga
1953 ― Agora é Que São Elas, de Fernando Garcia
1954 ― O Cerro dos Enforcados, de Fernando Garcia
1954 ― O Costa de África, de João Mendes
1954 ― Quando o Mar Galgou a Terra, de Henrique Campos
1956 ― O Pintor e a Cidade, de Manuel de Oliveira (premiado no Festival de Cork)
1956 ― Vidas Sem Rumo, de Manuel Guimarães
1956 ― O Noivo das Caldas, de Artur Duarte
1956 ― Perdeu-se Um Marido, de Henrique de Campos
1957 ― Dois Dias no Paraíso, de Artur Duarte
1958 ― Sangue Toureiro, de Augusto Fraga
1958 ― O Homem do Dia, de Henrique de Campos
1958 ― O Tarzan do 5.º Esquerdo, de Augusto Fraga
1959 ― O Pão, de Manuel de Oliveira
1959 ― Rapsódia Portuguesa, de João Mendes
1959 ― A Costureirinba da Sé, de Manuel Guimarães
1959 ― A Luz Vem do Alto, de Henrique Campos
1959 ― O Passarinho da Ribeira, de Augusto Fraga
1959 ― O Primo Basílio, de António Lopes Ribeiro
1960 ― As Pupilas do Sr. Reitor, de Perdigão Queiroga
1960 ― O Pintor e a Bailarina, de Armando de Castro
1961 ― Encontro Com a Vida, de Artur Duarte
1961 ― A Raça, de Augusto Fraga
1961 ― As Pedras e o Tempo (curta-metragem), de Fernando Lopes
1962 ― Dom Roberto, de José Ernesto de Sousa
1962 ― Retalhos da Vida de Um Médico, de Jorge Brum do Canto
1962 ― Um Dia na Vida, de Augusto Fraga
1962 ― O Milionário, de Perdigão Queiroga
1962 ― Sexta-feira 13, de Pedro Lazaga
1962 ― Acto da Primavera, de Manuel de Oliveira (grande-prémio no Festival Internacional de Siena)

Informação retirada de Breve História do Cinema Português (1896-1962) de Alves Costa


História do Cinema em Portugal - Transição para um novo cinema


1. A melhor época da comédia cinematográfica portuguesa foi aquela em que as histórias dos filmes se passavam nos bairros lisboetas. «De facto, escreve Luís de Pina (Boletim n.º 2 do I.P.C.), se repararmos bem nesses filmes, abrangendo uma época que vai de 1933, ano de A Canção de Lisboa até O Leão da Estrela (1946), que marca o fim de uma produção bem caracterizada, surge-nos a fita de Cottinelli Telmo rodada sobretudo entre o Castelo e o Campo de Santana, com passeios a Sintra e ao Jardim Zoológico, O Pai Tirano (1941) feito entre o Chiado, Santa Catarina e a Lapa, O Costa do Castelo (1943) no bairro que dá o título ao filme, A Menina da Rádio (1944) e O Leão da Estrela (1946) dirigidos por Artur Duarte neste bairro. E se acrescentarmos a tais comédias outros filmes como Madragoa (1952) e Rosa de Alfama (1953), concluiremos facilmente que durante muitos anos o cinema português foi um cinema de bairro, um cinema que reflectia, com indiscutível cor local, o pequeno mundo bem definido entre os limites da divisão geográfica, humana e administrativa que tem esse nome. Mas em tal redução dos filmes aos microcosmos chamados bairros (...) há pormenores que não deixam de ser curiosos, porque, ultrapassando essa ideia, acabam por se acantonar numa determinada zona urbana.»

«Referimo-nos, por exemplo», continua Luís de Pina, «ao pátio lisboeta, onde decorre a acção de dois filmes, bem diferentes no tempo e na intenção mas que reflectem a pitoresca realidade humana contida naquele espaço, geralmente admirável do ponto de vista arquitectónico mas nem sempre revelador das mínimas exigências de vida. O Pátio das Cantigas (realizado por Francisco Ribeiro em 1942), primeiro desses filmes, reflecte bem a existência quotidiana de um pátio lisboeta, um pátio onde se ama, se trabalha, e se canta, dentro de uma perspectiva optimista, pacata, modesta: pobrete mas alegrete. Gente boa, honrada, do povo, fornece a galeria humana da história, onde as tristezas são um momento e as agruras da vida não fazem parte dessa história. (...) No outro filme, Dom Roberto (1962), vinte anos depois, o pátio sombrio de Alcântara não é já o pátio das cantigas, o pátio da dificuldade. Morrem ali as ilusões e trata-se de subsistir, mas nem assim o povo pobre deixa de ter esperança (... ) E até os fantoches de rua, na barraca do Dom Roberto, são uma porta de escape para outros mundos, para uma pequena alegria quotidiana.»

Este filme: Dom Roberto, realizado por José Ernesto de Sousa, surge do movimento cineclubista, no meio da indigência em que resvalava o cinema comercial português, como tentativa de nova aproximação, de uma realidade urbana (a geografia humana de um bairro lisboeta) vista agora segundo uma óptica diferente. Com um sopro de poesia amarga, que não existia nos «filmes de bairro» dos anos 30-40, há em Dom Roberto reminiscências de Charlot e dos primeiros tempos do neo-realismo italiano, temperadas por um misto de conformismo, de tristeza e de esperança que adoça os contornos de uma anedota que só cautelosamente (e estará aí, talvez, o efeito de uma auto-censura) aflora criticamente uma situação social. O filme parte de um conto de Leão Penedo e acaba numa citação de Tempos Modernos, de Chaplin. Nos prolongamentos marginais, adicionados à única situação do conto, faltou a imaginação de um Zavattini. Talvez por isso, não conseguiu Ernesto de Sousa evitar «tempos mortos» numa narrativa que se alonga mais do que evolui e cujos acrescentos não são suficientemente enriquecedores. Por outro lado, à falta de uma intensa vivência interior dos personagens centrais, ficaram eles limitados àquela situação de uma conformada melancolia. Apesar de tudo, esses personagens (encarnados com muita e inteligente contenção por Glicínia Quartin e Raul Solnado) são tocados por um bafejo de humanidade e de lirismo (muito português) que os distingue dos títeres empalhados de tanta outra fita nacional.

José Ernesto de Sousa, homem culto, crítico e ensaísta cinematográfico, dirigente do cineclube «Imagem», com uma importante intervenção no movimento cineclubista português nos anos 40-50, não voltaria à realização de filmes, embora alimentasse por algum tempo outros projectos que não chegou a levar por diante. Foi também redactor principal e coordenador da revista «Imagem» (2.ª série) que se publicou em 1954, sob a direcção de Baptista Rosa e que teve como colaboradores, entre outros, José-Augusto França, Júlio Sacadura, José Francisco Rebelo, Manuel Pina, Mário Bonito e Manuel Ruas. Era uma excelente revista e aparecera num momento em que a imprensa cinematográfica estava muito apagada.

2. As publicações cinematográficas portuguesas estão muito relacionadas com determinados períodos da história do cinema em Portugal. «Cine-Revista», «Porto Cinematográfico» e «Invicta-Cine» surgem com a enorme atracção do espectáculo cinematográfico e a «era de ouro» do cinema mudo português. O «Cinéfilo», «Kino», a primeira «Imagem», «Movimento» e, um pouco mais tarde, «Animatógrafo», aparecem na transição para o sonoro e na época da criação da «Tobis Portuguesa» e das tentativas de produção contínua. A nova revista «Imagem» (2.ª série), os «Cadernos do Cine-Clube do Porto» e «Visor», no período heróico do cineclubismo.
«Movimento» (1933-34) fundada no Porto por Armando Vieira Pinto, tinha características que a diferenciavam sensivelmente de todas as outras, quer pelo aspecto gráfico quer pelo conteúdo. Nela colaboravam, entre outros, Adolfo Casais Monteiro, José Régio, Alberto de Serpa, Alves Costa, Alexandre de Médicis, Manuel de Oliveira e o pintor Carlos Carneiro. A revista «Animatógrafo», fundada por António Lopes Ribeiro, teve várias fases (1933 e 1940-42), ocupando-se principalmente da promoção do cinema nacional. Nos números da 3.ª série apresentava uma novidade: duas secções constituídas por textos clássicos de alguns teóricos do cinema e excelentes artigos sobre matéria cinematográfica recortados da imprensa estrangeira.
Entre o desaparecimento de «Animatógrafo» e a 1.ª série da segunda revista «Imagem» (1950), apareceu, em 1946, a «Sétima Arte» (com colaboração de Manuel de Azevedo, Joel Serrão, Alves Costa e Júlio Gesta) e a revista «Cinema» (1946/47). Esta revista, onde pontificavam Manuel Moutinho, João Mendes, Armindo Blanco e Domingos de Mascarenhas, defendia (pela pena destes dois últimos) o tão discutido decreto que criou o «Fundo do Cinema». O n.º 16 tem particular interesse porque dá grande relevo à intervenção de Manuel Múrias na Assembleia Nacional, que pedia a imediata aprovação, sem emendas, daquele decreto (como era óbvio...), e insere algumas passagens das intervenções do prof. Mendes Correia que, isolado no hemiciclo, propunha algumas (e não muito ousadas) emendas.

No ano de 1951 aparece a revista «Plateia». Sofrerá pausas e transformações. Optando finalmente por um género próximo do magazine ilustrado consegue chegar aos nossos dias, publicando-se com pendular regularidade. A revista «Imagem» (2.ª série), que reinicia a sua publicação em 1954, não durará muito tempo, deixando uma lacuna que não voltou a ser preenchida.

3. Antes do aparecimento de Dom Roberto, e no mesmo ano em que Manuel de Oliveira realizou O Pão e de tudo houve na produção nacional (desde O Passarinho da Ribeira, de Augusto Fraga, O Primo Basílio, de Lopes Ribeiro, até A Luz vem do Alto, de Henrique Campos e A Costureirinha da Sé, de Guimarães), foi produzido o primeiro filme português em cinemascope: Rapsódia Portuguesa, realizado com grandes meios por João Mendes, filme-cartaz que é típico exemplo, em ponto grande, do documentarismo de bilhete postal que se fazia neste país. «Muito bonito», muito cantado e «muito folclórico», este filme (que reflecte a mentalidade dominante no SNI) não

é mais do que moeda falsa (porque falsa é a imagem que dá do povo português) feita com materiais preciosos (esta terra e este povo que nós somos).

Para retratar um povo (o povo), os seus costumes, sua cultura, as suas dores e as suas alegrias, e necessário conhecê-lo, compreendê- lo e amá-lo. Não basta pousar aqui e ali o olhar frio da objectiva, compor um quadro, colar umas imagens de epidémico folclore sobre as belas paisagens da terra portuguesa. Andaram os autores da fita (e insisto nela porque é um caso exemplar) do Minho ao Algarve, da beira-mar para o alto da serra, para quase tudo falsearem no desejo de tudo tornarem «mais bonito» e «mais pitoresco»... até os trajes e os cantares, que bem dispensam uns os arrebiques, outros os arranjos. Mas que sabiam eles deste povo, da sua vida, do seu trabalho, do seu esforço (e tantas vezes da sua conformada miséria), dos seus costumes, dos seus trajes, dos seus cantares?...

Os ridículos simulacros da apanha do sargaço (já experimentou o realizador o peso de um redelho cheio de algas e a temperatura da água no mar da Apúlia?) e da ida para a romaria; a apressada vista de olhos pelas searas do Alentejo e pelos arrozais, até parecendo que é uma festa a vida que lá se vive; o chocho simulacro do drama dos pescadores da Nazaré, copiadinho sem jeito de Maria do Mar; o quadro folclórico de revista que montaram nos vinhedos do Alto Douro, dão bem a medida da incapacidade dos autores de Rapsódia Portuguesa para (como disseram) darem do povo português a imagem... A imagem autêntica, nas suas alegrias e nas suas agruras, imagem real e sem disfarces. Com mais molho ou menos molho, foi assim grande parte do documentarismo português de bilhete postal ou de «quadros vivos», quase sempre com grande palavreado pleonástico e massacrante, que se fez em Portugal até aos anos sessenta. Por isso, saltou logo à vista (não falando já dos filmes de Manuel de Oliveira, que é coisa à parte) a curta metragem de Fernando Lopes: As Pedras e o Tempo, que ficou como sinal, também, da viragem que iria dar-se três anos mais tarde. As Pedras e o Tempo data de 1961. O outro sinal seria dado por Dom Roberto.

4. Fez-se muito barulho à volta de Dom Roberto. O próprio autor veio lutar em defesa do seu filme. Apelou para o apoio dos cineclubes, dos intelectuais, da imprensa, dos amigos. Não se conseguiu, no entanto, (com o que folgaram os inimigos de Ernesto de Sousa) a adesão do público, que já dera mostras evidentes de desinteresse pelos filmes portugueses. Mas, de qualquer modo, Dom Roberto viria a ser apontado como filme-charneira entre um cinema comercial, anódino, trôpego, com mais caspa do que miolos, parente próximo da foto-novela e da farsa torpe, e um outro cinema que viria a chamar-se novo só porque era diferente e digno, mais ambicioso e independente.

É talvez aribitrário considerar Dom Roberto o filme-charneira. O certo é que, a partir dali, a história do cinema português seria outra. Aceitemos que Dom Roberto foi uma página que se voltou. Voltar-se-ia mesmo sem ele. Mas serve de ponto final de uma época ou de ponto de partida para outra.

* Se o cinema dos anos 40/60 foi, nas suas variantes, alegremente descuidado, histórico, melodramático, cor-de-rosa, toureiro ou fadista (com as excepções confirmadoras da regra), o cinema digno de tal nome que, felizmente, passamos a ter, seria triste, introvertido, angustiado, mais pessoal de que «de autor», na procura da expressão real da nossa realidade contemporânea. Esqueceram- se os novos cineastas que estavam a falar para alguém e que era preciso que esse alguém viesse escutá- los. Não veio. Mas talvez viesse se eles tivessem sabido ― ou lhes estivesse no peito ― vergastar pela ironia, criticar pela troça, demolir divertindo. E como o público com hábitos adquiridos e gostos estereotipados, ia mais em historietas e em cantigas (no duplo sentido da expressão) do que naquilo que lhe avivava as próprias angústias, também esse novo cinema não teve audiência que se visse, tornando difícil, deficitária e marginalizada a vida de cada filme que se propunha reflectir situações reais num momento concreto do mundo e do tempo em que vivíamos.

NOTA

1 Manuel de Azevedo ― in «Perspectiva do Cinema Português».

2 Eram seus sócios, com quotas que variavam entre 20, 10 e 5 contos, José Augusto Dias, Alfredo Nunes de Matos, Jorge Nunes de Matos, António Eduardo Gama, António F. dos Santos Graça, José de Almeida Cunha, Alfredo Correia do Vele, Manuel M. Ramos Guimarães, Manuel da Silva Cruz, António Marini Pinto, António Maria Tavares Júnior, Júlio Fernandes Bastos, Francisco Nunes de Matos, Diogo Teixeira Marinho, Francisco Pereira Balga, António Ribeiro da Costa e Almeida, Delmino Aníbal de Lima, Joaquim de Almeida Cunha, João Manuel Lopes de Oliveira, Arnaldo Folhadela Guimarães, Roberto Frias Jr., Guilherme Bernardo de Oliveira. (M. Félix Ribeiro ― Invicta Film, uma organização modelar.)
3 Félix Ribeiro, in «Invicta Film ― uma organização modelar».

4 Data do desembarque de D. Pedro IV, no Mindelo, que por aquela rua passou a caminho do centro da cidade.
5 In «Singularidades do Cinema Português».
6 In «A evolução e o espírito do Teatro em Portugal» (2.º ciclo de conferências, p. 297).
7 Programa n.º 38 do Cineclube de Estremoz.
8 «Teatro e Cinema», por António Ferro, edição S.N.I. Colecção «Política do Espírito».

Informação retirada de Breve História do Cinema Português (1896-1962) de Alves Costa

História do Cinema em Portugal - O "Fundo do Cinema" - A Censura e o Mercado




1. A aplicação dos dinheiros do Fundo do Cinema era informação que não chegava com facilidade ao conhecimento público. Não existindo uma perfeita regulamentação (e em certos casos não havia regulamentação nenhuma), os dinheiros distribuíam-se com uma folgada arbitrariedade. Assim, nunca se determinou uma verba (regular ou em função de percentagem sobre as receitas do Fundo) para a Cinemateca Nacional. Depois do 25 de Abril de 1974, foi possível a uma revista que se publicou em Lisboa («Revista do Povo», n.º 13, de 1-12-75) dar a lume extractos de um Relatório do ano de 1958, com a chancela da Presidência do Conselho e do Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, que trata do discutido «Fundo do Cinema Nacional» e presta contas relativas àquele ano. Por aí se vê um significativo movimento das disponibilidades desse Fundo.

Por esse Relatório fica-se a saber que o activo em 1958 foi o seguinte:


Saldo do ano de 1957  ... ... ... ... ... ...
6 064 921$00
Cobrança de licenças e juros  ... ... ... ...
5 101 768$60
Exibição de filmes pertencentes ao Fundo
1 807$50

O passivo, desse mesmo ano, reparte-se da seguinte maneira:

Subsídios, bolsas de estudo, filmoteca,

biblioteca, instalações e
gratificações
aos  membros  do  Conselho  do
Cinema.
2 195 968$20
Transferências para o SNI, para filmes
turísticos e outros  ... ...
... ... ...1 945 700$00
Transferência de juros ... ...
...27 947$90
Saldo para o ano seguinte ...
... ... ...7 018 881$00

――――――――

11 168 497$10

Como desde logo salta à vista, perto de dois mil contos vão para o SNI «para filmes turísticos e outros», sem ficarmos a saber quais nem por quem realizados. Mas se analisarmos o desdobramento da verba «subsídios, bolsas, filmoteca, etc.», verifica-se, por exemplo, que enquanto à filmoteca foi cedida uma modesta importância de 203 308$80, gastaram-se nos «jornais de actualidades» Imagens de Portugal perto de mil contos (exactamente 948 867$00). Por seu turno, o filme de Baptista Rosa, Azulejos de Portugal, recebeu um subsídio de 135 000$00, e o Centro Universitário de Cinema, para o Estúdio de Cinema Experimental da Mocidade Portuguesa, foi dotado com 50 contos.

Curioso é também outro pormenor: para certos filmes era superiormente autorizado um empréstimo reembolsável, através da Caixa Geral de Depósitos, ficando o Fundo do Cinema como fiador. Foi o caso de Chaimite, de Brum do Canto, de O Cerro dos Enforcados, de Fernando Garcia e Domingos de Mascarenhas, de Frei Luís de Sousa, de Lopes Ribeiro, de A garça e a serpente, de Artur Duarte, de Milagre de Fátima, de Gentil Marques. Ora, não tendo os produtores cumprido a obrigação de liquidar esses empréstimos, a Caixa Geral de Depósitos foi reembolsada com os dinheiros do Fundo do Cinema. Assim ― e como exemplo ― dos 850 contos «emprestados» para o Cerro dos Enforcados, Domingos de Mascarenhas (o produtor) só amortizou 28 contos. Também por falta de pagamento das amortizações de empréstimos à Lisboa-Filme, para a produção dos filmes O Noivo das Caldas, Perdeu-se um Marido e Dois Dias no Paraíso, teve o Fundo de desembolsar 1 098 902$90.

O mal não está em o Estado financiar totalmente a produção de filmes. Tivessem eles dignidade artística; representassem eles alguma coisa no desenvolvimento e na caracterização da nossa cinematografia; estivessem eles, temática e formalmente, à altura de poderem exercer a função sociocultural que ao cinema incumbe levar a cabo, e das nossas realidades, dos nossos problemas e da nossa psicologia serem o reflexo. O mal está no facto de tão mal se terem aplicado os dinheiros do Fundo do Cinema, na maior parte dos casos,... ajudando-se, também, a criar a ilusão de haver cinema português onde apenas havia algumas fitas feitas em Portugal por gente portuguesa. E dentre essa gente ― deve ser dito ― técnicos houve (como ainda continua a haver) muito competentes, sobretudo operadores de câmara, fazendo «milagres» com os meios mais rudimentares. Os realizadores, porém, na generalidade, não davam provas de imaginação criadora e aceitavam a acção castradora da censura voltando-se para projectos que a aliciavam ou com ela procuravam não ter problemas, contribuindo para a alienação do público com a desculpa de o divertir.


2. Os critérios adoptados para a aprovação de subsídios e outras formas de ajuda financeira coordenavam-se com os critérios gerais da Censura. Com nefastas consequências. A degradação do gosto do público ― apesar da acção dos cineclubes, limitada por toda a espécie de coacções ―, a habituação a um certo tipo de cinema ― pela falta de contacto com outras cinematografias e outros géneros de filmes ―, a crescente «colonização» pelo cinema americano, com múltiplos recursos para uma profunda penetração ― resultam, em grande medida, da acção opressiva, inibidora, desinformadora, cavernícola e rigorosamente vigilante da Censura. Bastará dizer que, na década de sessenta, foram proibidos ― por razões de ordem política, moral, social, religiosa, sexual, militar, etc. ― cerca de 300 filmes, embora adquiridos pelas Distribuidoras dentro das suas cautelas habituais. Alguns desses filmes, considerados impróprios para o público português (posteriormente «libertados», com cortes, no tempo de Marcelo Caetano) foram: Hiroshima mon amour, Une femme mariée, Lilith, Vaghe stella dell’Orsa, Le journal d’une femme de chambre, Kiss me stupid, Jules et Jim, The Servant, L’aventura, Rebel without a cause, Never on Sunday, The Graduate.
Mas quem eram os censores? Numa exposição dirigida ao Ministro da Presidência, em 1961, pelos empresários portugueses, podia ler-se: «(...) A censura aos espectáculos só pode ser exercida por individualidades de sólida cultura geral e elevada formação humanística, para que não sofram as dificuldades que pesam sobre funcionários dependentes duma disciplina inadequada para a função de censores. (...) À margem do desolador balanço de 38 filmes proibidos, 5 suspensos e 192 com cortes, no curto prazo de onze meses, podem exemplificar-se decisões verdadeiramente caricatas, outras de lamentável intervenção, algumas ainda testemunhando ausência completa de altura para a exigência da missão. (...) A Comissão de Exame e Classificação de Espectáculos actua mal, com prepotência, sem uniformidade de critério, com desconhecimento da evolução da cultura, do pensamento e do nível intelectual da população que frequenta os espectáculos. (...) Não pode continuar a ser constituída por funcionários que nunca tiveram quaisquer contactos com os problemas sociais, filosóficos e artísticos inerentes ao Teatro e ao Cinema.» Assina a exposição José Coelho da Silva Gil que, pelas suas relações profissionais com eles, conhecia os censores de ginjeira.


3. Quanto ao papel dos Exibidores e Distribuidores na evolução da crise do filme nacional e na alienação ou manipulação do público, o problema é demasiado vasto e complexo para se arrumar em meia dúzia de parágrafos. Sobre estes assuntos, complicados com os jogos monopolistas da importação e distribuição de filmes, remeto os leitores para o recente livro de Eduardo Geada («O Fascismo no Cinema») que fornece uma panorâmica (em alguns pontos discutível) dos múltiplos aspectos políticos, comerciais e culturais da questão. Pessoalmente, no que concerne a Exibição (sobretudo a Exibição independente da Distribuição) penso que são de evitar conclusões precipitadas, na medida em que certos factos reclamam, antes de mais nada, um estudo sociológico e apontam para a necessidade de medidas de compensação que não cabem a entidades comerciais privadas mas compete ao Estado tomar através de organismos verdadeiramente interessados numa vasta política cultural.

Dá que pensar quando um exibidor decide programar, sem entusiasmo e à experiência, o «seu» primeiro filme indiano (caso de Bobby, no «Coliseu do Porto», ocorrido em 1976) e a fita se mantém inesperadamente no cartaz oito semanas a fio, esgotando frequentemente lotações de 2660 lugares (inclusive no sábado e domingo da 8.ª e última semana). O próprio público, logicamente, tenta o exibidor a projectar no seu cinema mais três ou quatro desses folhetins cor-de-rosa e musicais, uma vez que os espectadores lhe entram a rodos pela porta dentro (24 413 espectadores na 1.ª semana de Bobby e baixa lenta de frequência até ao fim da 8.ª semana). Valia a pena fazer um estudo exaustivo e comparado da frequência (número de espectadores por espectáculo) a determinados tipos de filmes, relacionando-a com o número de lugares, localização e preços dos cinemas em que foram exibidos e com a época (momento histórico) em que passaram. Estudo que devia ter ainda em atenção o que certos filmes rendem para o Instituto Português de Cinema, rendimento que, em grande parte, reverte para a produção nacional. E que devia, também, reverter para a protecção e expansão do filme de qualidade. Tudo isto, porém, não é assunto que possa aqui ser tratado.

4. Portugal era, e continua a sê-lo, dos países com menos cinemas, sobretudo fora dos grandes centros urbanos, o que se repercutiu na expansão e exploração do filme nacional. À falta de salas juntou-se a absorção de muitas delas pelos mais poderosos Distribuidores, para escoamento directo da sua programação ― vedando essas salas a filmes de distribuição alheia, numa luta expansionista pelo controlo do mercado. A situação agravou-se ainda mais com a promulgação de algumas leis «pitorescas», como a que obrigava os novos cinemas a funcionar como Cine-Teatros, em imóvel independente. Era permitido instalar uma garagem, com depósito de gasolina e óleos, nos baixos de um prédio de habitação, mas não era permitido instalar lá um cinema, «por razões de segurança»... Os novos cinemas deviam poder utilizar-se para espectáculos teatrais, o que requeria mais terreno, para palco, camarins, sanitários, arrecadações, e encarecia consideravelmente a construção. Considerava-se isso como medida de protecção ao Teatro... Mas nem por isso as Companhias teatrais, tradicionalmente enraizadas na Capital, se deslocaram mais vezes à província. E muitos projectos de novos cinemas deixaram de ir avante.

Outra particularidade da nossa legislação era a que regulamentava a importação e exibição de filmes em 16 milímetros. Entre outras coisas, era proibido aos cinemas equipados com projectores para 35 milímetros exibir filmes em formato reduzido (a pretexto de combater a concorrência). Novos cinemas equipados exclusivamente para o 16 milímetros, só poderiam abrir-se a mais de três quilómetros doutro cinema equipado para 35 milímetros! Resultado: tantos eram as complicações para utilizar comercialmente filmes em 16 milímetros, que o mesmo era proibi-los em salas de espectáculos públicos. Isto desencorajou os Distribuidores, que se desinteressaram da importação de filmes em 16 milímetros, não obstante mais do que um ter tentado, a seu tempo, assegurar o exclusivo de importação e exibição de filmes nesse formato... Só muito recentemente (há muito poucos anos) essas várias e «originais» disposições foram postas de parte. Mas tiveram uma influência negativa que ainda não foi compensada.


Informação retirada de Breve História do Cinema Português (1896-1962) de Alves Costa